A sociedade da dopamina
O que O Dilema das Redes, o financiamento do Renda Cidadã e os juros nos ensinam
Olá amigos,
Como economista formado pela Unicamp, tenho a tendência de enxergar a economia muito além das curvas de oferta e demanda e otimizações que permeiam em grande parte o mainstream teórico da nossa recente (se comparada a outros campos do conhecimento) ciência. É bom esclarecer também que, como bom apreciador da liberdade econômica, política e individual, passo longe de nutrir grande admiração pelo barbudo (Karl Marx) ou pelo bigodudo (John Maynard Keynes), diferentemente dos meus colegas da famosa “Escola” de Campinas, apesar de ver contribuições pontuais interessantes de ambos para a teoria.
Faço essa introdução para explicar ao leitor “comum” (leia-se, o não-economista) como consigo enxergar a conexão entre a dopamina e a ciência econômica. Você deve estar se perguntando “qual a conexão entre um hormônio e a taxa de juros?”. Para mim a conexão aqui é total, e talvez essa seja uma grande oportunidade para explicar essa ligação entre coisas aparentemente tão diferentes.
Primeiramente, explico porque cheguei nesse assunto. Nessa semana o governo Bolsonaro divulgou uma proposta para o financiamento do Renda Cidadã, que seria uma espécie de novo Bolsa Família, e a proposta não agradou nada o mercado. As fontes de financiamento seriam duas: a fixação de um limite para o pagamento de precatórios e recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). O mercado torceu o nariz para os precatórios, mas para mim temos uma mensagem muito interessante na utilização de recursos destinados à educação básica: estamos dando o peixe ao invés de ensinar o povo a pescar.
Em um país com tamanha desigualdade social, é indiscutível a necessidade e os benefícios econômicos de programas de renda mínima e distribuição de renda e riqueza. Todavia, temos muita “gordura” em diversas outras esferas da máquina pública para cortar e financiar o Renda Cidadã. Na newsletter “Empiricus Day One” do dia 30-09, Felipe Miranda deu alguns exemplos (muitos bem criativos e coerentes, diga-se de passagem), mas todos precisam de vontade governamental e apoio da opinião pública para vencer os interesses contrários às reformas necessárias. O primeiro até temos na atual administração, mas a população na grande maioria não ajuda, e com isso, o que dizemos na prática, como sociedade, é que não estamos dispostos a fazer sacríficios de curto prazo (corte de despesas em áreas menos relevantes para o desenvolvimento econômico) para favorecer pautas benéficas no longo prazo, como a edução básica, que tem sido apontada como um dos fatores essenciais para o desenvolvimento de uma nação.
Mas não creio que esse não seja mais um problema exclusivamente tupiniquim. O documentário “O Dilema das Redes” da Netflix mostra como as redes sociais tem nos “viciado” na dopamina, nos levando a trocar atitudes benéficas para o longo prazo, como ler um livro, praticar atividades físicas, estudar, etc., por recompensas de curto prazo, que é a utilização das redes sociais. Em uma análise mais filosófica do que econômica, isso está se incorporando à economia mundo afora, com taxas de juros e retornos, que seriam “recompensas” por atitudes (investimentos) benéficas para o longo prazo.
Muitas vezes não sabemos como, nem quando, mas uma hora o curto prazismo cobra seu preço. O documentário da Netflix colocou luz sobre o preço do uso em excesso de redes sociais, e tenho um pressentimento de que na economia, a inflação possa ser esse preço, mas essas são cenas dos próximos episódios.
Forte abraço!
Alef Henrique Dias
Tags: Economia
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- Monday, October 26, 2020
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